sábado, 10 de outubro de 2015

O CÂNTICO DOS MISÉRAVEIS




São brancos, pardos e pretos
em andrajos nauseabundos
por becos, cantos e guetos
sujos de tempo, terras e barros
miseráveis vagabundos
na desdita do degredo
malditos e infectos escarros
desgraçadas mãos que mendigam
vida de fome e medo
saga sem destino
tudo que vai em saco é um segredo
inclemência dos dias de chuva
e de miséria tão à pino
sob o lixo que amontoam
Não voam 
nem criam Raízes
se aninham em brechas 
sob viadutos
sob ponte
um nicho que não lhes conte
que são infelizes
do não ter
do não ser
do escarnio do tempo
do capricho do vento
da mão que se estende
fingindo caridade
do lixo que lhe supre
com muito mais dignidade

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

SABE UM DIA...!

SABE UM DIA...!



Talvez um daqueles domingos
em que se acorda surpreendido
pelos sons dos pingos da chuva
na janela
Depois de um sonho
da vida tanto mais bela
num dia de muito frio
em que a gente faz juras
a si mesmo
então chora um rio
fuçando gavetas do tempo
sentindo ausências
agruras e ternuras
instando saudades
fragmentos de lembrança
que a gente busca e junta
num grande quebra-cabeças
nas molduras do tempo
o efêmero de outrora
as flores de não-me-esqueças
num tempo sem tempo
outro dia
uma outra hora
um outro agora
o destempo
o cheiro da terra molhada
quando a chuva vai embora
som do vazio
o estio
o agora

terça-feira, 12 de maio de 2015

TODOS OS TONS DE NEGRO


E havia negros minas e jejes
havia negros cambindas e malês
vieram nagos, mandingas e ketus,
Vieram milhares de homens pretos
fétidos e escuros como piche
negros homens e mulheres nús
cansados adentravam o trapiche
bem recebidos pelos urubus
tanto de ódio e picumãs
infectos de sarna e piolhos
escravos sem mais amanhãs
do porão, sob ferrolhos
cheios de angustias e medo
rumo a sorte ou a morte
presas do injusto degredo
de escuro e imundo tumbeiro
da infâmia do cativeiro
Negros cá morriam de banzo
outros matava o cansaço
a tristeza se perdia no semba
quando não lhe metiam no laço
no batuque,no jongo ou lundu
enchiam a pança agua
comiam de um parco angú
fartavam-se d´angustia e mágoa
dos ritos e rezas no calundu
cantar talvez lhes conforte
liberdade que se exalta e se cala
o castigo, um vazio de sorte
Talvez pra um fundo de vala
o sofrimento é um pouco da morte
Havia negros de ganho
com cestos, raízes, balaio
com ervas e frutas de apanho
nhonhô a olhar de soslaio
bugigangas,comidas,quitutes
mulheres vendendo desfrutes
a brancos buscando deleite
negrinhas co´a suas iaiás
miúdos e amas de leite
mucamas ajeitavam sinhás
flores nas vis carapinhas
negros buliçosos e irrequietos
negros com barris de dejetos
negras em trajes senhorinhas
Talvez vencendo os desdenhos
talvez um sorriso no cenho
Talvez o dia seguinte
Talvez mais nada
e não há!
Negro reverenciava o ar
as motanhas,as matas e o mar
sob a terra seu sagrado oculto
negro então cantava e se ria
resistia bravamente ao insulto
tristezas,humilhações e o medo
quem sabe um dia, a alforria
fugir, fugir, fugir do degredo
juntar-se a outros no quilombo
livrar-se do chicote no lombo
fugir feito um gato
correr o mundo sem destino
fugir de um capitão do mato
ou contorcer-se num vira-mundo
ou o tronco sob o sol a pino
Talvez um sonho de liberdade
e liberdade tardia houve
e o negro nunca soube
ganhou livre as ruas
como bem lhe aprove
sem eira,nem beira
ou tribeira

sábado, 28 de fevereiro de 2015

C´EST LA MÊME CHOSE


A chave de todo ser humano é seu pensamento. Resistente e desafiante aos olhares, tem oculto um estandarte que obedece, que é a ideia ante a qual todos seus fatos são interpretados. O ser humano pode somente ser reformado mostrando-lhe uma ideia nova que supere a antiga e traga comandos próprios.
—Ralph Waldo Emerson

Às vezes queremos que as nossas incertas certezas prevaleçam às incertezas alheias, que as nossas fés , razões e contrarrazões sobressaiam aos fundamentos ilógicos e aos arrazoados bem fundamentados de outros. Quase sempre somos afrontados por visões outras, que submetem nossa inteligência a sabores diversos daqueles da nossa parca visão do mundo. Adensamos então a instabilidade de nossa fé e razão em ira personificada na figura de um agente punitivo que, via de regra somos nós mesmos; agentes da ira da divindade ou do criador da ideologia que abraçamos e defendemos ou nós isolamos em castas auto-intituladas superiores com conceitos, pensamentos e maneirismos muito além do comum

Quaisquer que sejam os contrapontos e diversidade de ocupações das gentes, quaisquer que sejam os nossos ideais de espiritualidade, quaisquer que sejam os terrenos filosóficos onde fincamos nossas bandeiras e raízes, permeamos nossas sólidas certezas com preconceitos, aversões e intolerância ao outro.

Correm em nossas veias os mesmos venenos, ódios e ignorância que chocam o mundo com decapitações, insânias e instabilidades constantes. Os memes são sempre os mesmos, invadem centros de candomblé, quebram santa, decapitam pessoas, destroem estátuas seculares, instabilizam o mundo em nome da fé.

sábado, 24 de janeiro de 2015

DES-SER

A maior distancia entre pessoas é o ego
o orgulho cego de tão  alto contempla
a multidão de numerosos vazios
dos terrenos baldios da solidão
o egoísmo do chão que nada cresce
triste destino  sombrio
da arvore  que fenece
antes mesmo de brotar do chão.


O que aparta as pessoas é o egoísmo
a concha ao abismo de si mesma
o ter preenchido de vazios
de acalentos sombrios do desdém
o baldio se desfaz em  solidão
que não se reparte com ninguém
presunção da arvore de muitos frutos
que apodrecem antes de cair ao chão